O processo de reflexão do problema da judicialização no Brasil é capaz de indicar o panorama atual encontrado no país. Esse panorama traz à tona uma problematização escancarada em números muitas vezes assustadores. Para se ter uma ideia, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, existiam em 2020, 77,1 milhões de processos em tramitação no país. Levando-se em consideração que existem aproximadamente 210 milhões de habitantes e de há pelo menos 02 pessoas envolvidas em cada processo, chega-se a uma conclusão empírica de que todo o Brasil se encontra em conflito. Ademais, pelo pouco quantitativo de servidores, magistrados e de unidades judiciárias percebe-se que o cidadão não tem sua demanda apreciada e julgada na velocidade em que merece. Outro elemento que se deve levar em consideração é que há um custo elevado para o Poder Judiciário, que este é obrigado a arcar em cada processo, porém muitas vezes o valor de pretensão é consideravelmente menor do que esse custo. Dessa forma, torna-se extremamente oneroso para o Poder Judiciário manter cada processo em trâmite.

Ao longo da história, a humanidade sempre teve a preocupação com a resolução dos conflitos entre as pessoas. Por conta disso, nos últimos 60 anos, a globalização foi capaz de abrir as fronteiras para mudanças significativas de como deve ser encarado o conflito. Há uma busca por alternativas para dirimir os conflitos em face da explosão da litigância observada em alguns países. No EUA, por exemplo, percebeu-se que os custos para ajuizar demandas no judiciário, no sentido de garantir algum direito, eram muito elevados. Ademais, por muitas vezes o magistrado atende a demanda de apenas uma das partes, mas em outras vezes não é capaz de atender o interesse real de nenhuma. Por conta disso, a consequência foi a busca por meios consensuais de resolução de conflitos. Nesse cenário, há a entrada de novos atores que são capazes de dirimir os conflitos em oposição à figura do magistrado. Percebeu-se que os conflitos poderiam ser resolvidos por métodos alternativos e de que essa resolução não era matéria exclusiva ao mercado do Poder Judiciário. Dessa forma, os “cidadãos não togados” foram capacitados para resolver conflitos fora das paredes do Poder Judiciários, tais como conciliadores, mediadores e árbitros, sejam por meios autocompositivos ou heterocompositivos. Hoje em dia, há uma difusão dessas práticas de resolução de conflitos dentro dos escritórios de advocacia, nas delegacias de polícia ou até mesmo nas empresas privadas onde há setores de mediação ou conciliação para resolver conflitos internos entre funcionários ou clientes.

Assim, as disputas estão sendo reunidas no sentido de manter uma pauta comum para que haja uma promoção da conciliação, mediação, negociação ou arbitragem inseridas no âmbito das políticas públicas do judiciário. Alguns marcos que regulamentaram essas políticas aconteceram em 2010 com a Resolução nº 125 do CNJ, por conta de uma “cultura de pacificação”. Essa cultura de paz estava sendo disseminada para evitar uma cultura de sentença que estava caracterizando o perfil litigante da sociedade brasileira. Nesse cenário eram refletidas preocupações com a eficiência do Poder Judiciário, o acesso à justiça e a criação no âmbito do Poder Judiciário de um sistema diversificado de soluções de conflitos. Ademais, em 2015, outras três leis federais vieram estruturar este sistema: a reforma da Lei de Arbitragem pela Lei nº 13.129/2015; a Lei de Mediação nº 13.140/2015 e o próprio Código de Processo Civil Lei nº 13.105/2015. Nesse cenário, o CNJ exerce o papel de coordenador, desempenhando a função de estabelecer as diretrizes; dar apoio aos tribunais; promover a formação, credenciamento e capacitação dos profissionais; fazer a articulação com outros órgãos como Ministério Público, Defensoria Pública, OAB, Procuradorias, empresas, agências reguladoras etc.

Por fim, no sentido de garantir o acesso à justiça e diminuir os dados alarmantes disponibilizados nos relatórios do CNJ, há uma cultura de pacificação dos conflitos no sentido de propagar uma nova etapa na vida das pessoas com uma nova perspectiva sobre os conflitos. A cultura da paz será capaz de desafogar o judiciário e pacificar a sociedade no sentido de devolver ao cidadão o poder de resolver seu conflito com ajuda de algum terceiro, imparcial, idôneo e capacitado, retirando do poderio do juiz essa função que se pensava que fosse exclusiva.

Referências:

BRASIL. Código de Processo Civil (2015). Código de Processo Civil Brasileiro. Brasília, DF: Senado, 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015 2018/2015/lei/l13105.htm.

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução n.º 125 de 29 de novembro de 2010. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=2579.

BRASIL, Lei n° 13.129 de 26 de maio de 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13129.htm.

BRASIL, Lei n.º 13.140, de 26 de junho de 2015. Brasília, DF, Presidência da República, 2016. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/Lei/L13140.htm

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em Números 2020.Brasília: CNJ, 2020. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/08/WEB-V3-Justi%C3%A7a-em-N%C3%BAmeros- 2020-atualizado-em-25-08-2020.pdf

Picture of Juliane Francisca de Abreu
Juliane Francisca de Abreu

Mestre em Criminologia pela Universidade Fernando Pessoa – Portugal. Especialista em Criminologia pela Faculdade Alagoana de Tecnologia. Professora de Direito da Universidade Estadual do Maranhão e Faculdade Vale do Itapecurú.

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp
Telegram
Rolar para cima