O dia em que o seu João repetiu o lendário topless em Ipanema (1972) numa sala de audiência virtual de uma vara de família do Maranhão
Por Elton Costa
Os Ilustres leitores devem estar se perguntando: qual a relação entre o primeiro e famoso sem a parte de cima, nu da cintura para cima, de peito nu (possíveis traduções para o português de topless) – numa singela homenagem ao saudoso e mestre das letras, Ariano Suassuna – e o fato do seu João aparecer sem camisa em uma audiência de conciliação numa vara de família?
Primeiramente, muito obrigado pela sua gentileza de ler esta crônica. Segundamente, acalmai seu coração malicioso. O texto falara pouco de nudez física, mesmo que só da parte torácica, e mais de nudez (desnudar) da realidade forense. Terceiramente, precisamos contextualizar. O ano era 1972. Pier de Ipanema. Pelo pouco que conheço do Rio de Janeiro, fazia um calor escaldante. Um fotógrafo, sua câmera e uma jovem fazendo topless (perdão, mestre Suassuna).
Stop (no less). A parte que trata da nudez, ou a semi, se resume a isso. Acaso aguçou a sua imaginação, dá uma googlada e deleite-se com as matérias acerca.
O que precisamos inferir do ato vanguardista daquela moça para o propósito do texto se resume ao seguinte: o deitar-se na praia escaldante de Ipanema, foi ou não um ato malicioso.
Pergunto: será que mais de 40 anos após, o mesmo ato ainda chocaria alguém? Segura aí a sua resposta (por favor). Vamos adiante. Segue o contexto fático que interessa para o diálogo.
Era uma manhã quente de abril. Calma. Não se trata de um conto da Disney. Foi só para (des)encantar vocês. Era uma manhã quente de abril. Pauta de conciliações de uma vara de família Maranhão a dentro. Tai uma semelhança entre os contextos fáticos – este e o do topless (opa! Prometo ser mais cuidadoso com o idioma) – o calor.
A conciliação estava marcada para as 9h00. O processo tratava sobre reconhecimento e dissolução de união estável c/c (acredito que todos saibam, mas, de qualquer modo: cumulado com) guarda, convivência, pensão alimentícia e partilha de bens.
Processo nº. 12345-67-8910-1112 (número fictício, obviamente). Polo ativo, é assim que o algoritmo do PJE trata os envolvidos no conflito, a senhora Maria (nem preciso escrever que o nome verdadeiro não é esse). Polo passivo: o senhor João (já sabem, né? Personagem da história).
Conciliador a postos. Sala de audiência virtual aberta e aguardando os polos. PJE aberto. Maria intimada. João também, via carta precatória, ainda em fevereiro. Assinatura do seu João “desenhada” no expediente citatório anexado aos autos. “Desenhada” é como chamam as assinaturas das pessoas alfabetizadas que só escrevem o seu próprio nome. Se o seu João fosse um pouquinho pior no desenho, teríamos um “a rogo” no mandado. Ficou curioso/a sobre o termo? Google!
Afora isso, nenhum outro rastro dele nos autos. Nenhuma habilitação de patrono (quis ser um pouco catedrático agora, rss). Só as informações trazidas na peça inaugural – agora fui proposital e desnecessariamente formal. Perdão!!
Nove e pouco: “tundum”. Esse é o som que se houve quando alguém acessa a sala virtual (ao menos na plataforma usada para as audiências da unidade). Dona Maria na área. Seja bem-vinda, exclamou o gentil Conciliador (ele é mesmo).
Até agora, padrão. Autora sempre entra no horário. Mas algo chamou a atenção do Conciliador. Ao voltar a vista para a tela do notebook – tinha virado o rosto para tomar um gole do seu café – ele notou que havia alguém ao lado da dona Maria. Imaginem agora uma pausa dramática para fazer aquele suspense. Tá bom! Ficou parecendo conto de fadas da Disney.
Por falar em pausa, farei uma breve neste exato momento para, adivinhem, tomar um gole de café. Por falar nisso, conciliar e escrever sem tomar café é quase tão improvável quanto caberem 6 elefantes num fusca! Café tomado.
Ao lado da dona Maria, uma metade de pessoa. A princípio, o Conciliador só viu um braço e uma parte que parecia ser um pedaço de um sem a parte de cima, nu da cintura para cima, de peito nu. Só para lembrar, não estamos RJ/72 e, sim, no MA/25.
Opa. Tem um homem de topless com a senhora Maria, tal qual a jovem em Ipanema há 40 e poucos anos. Será que mais de 40 anos após, o mesmo ato ainda chocaria alguém? Lembram que pedi para segurarem a resposta?
Antes de seguirmos rumo à resposta da pergunta, precisamos saber quem é o homem sem roupa da cintura para cima que se encontra ao lado da dona Maria, ou vocês não ficaram curiosos/as? Antes que o Conciliador indagasse à dona Maria quem era o homem ao seu lado, ele (o homem) saiu de cena. Na tela do celular só a “parte autora”.
Conciliador: Senhora Maria, preciso explicar para a senhora o procedimento da audiência, tudo bem? (Estou abreviando o diálogo pra gente chegar logo na parte interessante).
Senhora Maria: Tá certo.
Conciliador: o senhor João tá sabendo da audiência (não se usa expressões técnicas com “os polos”. Juridiquês e simplicidade não se atraem); vamos aguardar mais um pouco para ver se ele entra na sala.
Senhora Maria: não, meu filho. Ele tá aqui comigo! Volta aqui, João. O senhor quer falar contigo.
Pois não é que o seu João era a pessoa (ou parte dela) que entrou na sala juntamente com a dona Maria. Vocês já sabiam, né?
Lembram como estava vestido o seu João? A lá Ipanema 1972. Assim voltou ele para frente do celular. O peito tão aberto quanto o sorriso.
Seu João: bom dia, seu moço.
No momento, ao vivo, não veio à mente do Conciliador a cena da jovem de Ipanema, até porque ele só pensou na associação para escrever este texto, mas, espero que vocês tenham, agora, as duas cenas em mente.
Aqui a gente deixa um pouco a ficção de lado e parte para a reflexão sobre a vida real forense.
O Conciliador poderia se escandalizar, assim como, se escandalizaram as pessoas em 72 ou, ele poderia entender o contexto fático e conduzir a situação da forma mais adequada possível.
Em um pequeno espaço de tempo, antes de responder o “bom dia, seu moço” do seu João, uma decisão precisava ser tomada. O Conciliador poderia repreender o “polo passivo” pela “falta de decoro”? Claro!
Porém, todavia, contudo, ele lembrou do expediente de citação e, mais ainda, da assinatura “desenhada” do seu João. Ele lembrou que por trás do PJE nº. 12345-67-8910-1112 existem pessoas. Lembrou que, apesar de invizibilizados pelos “polos” do algoritmo do processo eletrônico, as pessoas carregam consigo, sempre, as marcas indeléveis (até para a mais potente das I.A.) da sua vivência, seja ela boa ou ruim.
Aquele senhor que fazia topless não tinha o menor senso do que ali se tratava. Não dimensionava a necessária formalidade do ato. Fato. A sua ignorância (no sentido de falta de conhecimento) beirava a ingenuidade. Outro fato! O sorriso maroto e o tom de voz cortês denotavam isso claramente.
Certamente, alguns leitores pensarão: que Conciliador boboca. Não existe mais ninguém tão ingênuo assim no mundo. Talvez, só talvez, não exista mesmo. Quem sabe o seu João é um tremendo safado e “tirou onda com a cara” do Conciliador. Quem sabe. Nunca saberemos. Mais um fato!
O Conciliador pediu para vos dizer que entre a ingenuidade ou não do seu João, ele ficará com a sua (dele, Conciliador) ingenuidade!
Voltemos ao questionamento inicial do texto: qual a relação entre o primeiro e famoso sem a parte de cima, nu da cintura para cima, de peito nu (possíveis traduções para o português de topless) e o fato do seu João aparecer sem camisa em uma audiência de conciliação numa vara de família?
Existem duas possíveis respostas para esse questionamento, a depender da sua corrente filosófica: 1ª) ambos foram maliciosos e quiseram “tirar onda” ou 2ª) ela só queria bronzear as costas sem a marca do biquíni e, ele, só queria participar da sua audiência. Escolha a sua, ilustre leitor.
Querem saber o desfecho da audiência? Após um tranquilo pedido para que o senhor João se vestisse, “pois, a audiência seria gravada e não ficaria bem ele ficar eternizado na gravação sem camisa”, que se seguiu do riso dos três (o Conciliador e os “polos”) eles informaram que reataram o relacionamento e que não desejavam mais serem partes da matrix. O processo será encerrado. Que sejam ingenuamente felizes!

Elton Costa
Elton Costa é servidor do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Compõe da 3ª Vara Cível da Comarca de Caxias – Família, Sucessões, Infância e Juventude, Tutela, Curatela e Ausência. Mestre em Direito e Gestão de Conflitos (UNIFOR). Pós-graduado em Direito de Família e Sucessões (ESAPI). Pós-graduado em Direito Processual das Famílias e das Sucessões (ATAME/DF). Conciliador Judicial formado pela Escola da Magistratura do Maranhão (ESMAM). Capacitado em Mediação Familiar pela Escola do Ministério Público do Maranhão (ESMPMA). Capacitado em Conciliação e Mediação Extrajudicial (SAPIENS).