No Judiciário, seu Amélio?

O Judiciário é a melhor escolha para resolver os nossos conflitos? Talvez o seu Amélio nos ajude a responder esse questionamento!

Seu Amélio ou seu “Nélio da Maricota”, apelido que ele carrega desde que entende o significado das palavras, é um típico aposentado do interior nordestino. Pacato e boa praça, fala com todos por onde passa e deixa sempre um sorriso como lembrança.

Viúvo e sem filhos; dona Maria partiu bem cedo, de parto, daquele que seria seu filho e orgulho (é assim que ele se refere ao ocorrido), divide seus dias entre o cuidado com os afazeres domésticos – fazer a comida, alimentar a criação no terreiro – e o jogo de truco nos finais de tarde na praça matriz. Aposentado do INSS, vive com um salário mínimo, que gasta cuidadosa e organizadamente com a mercearia e a farmácia. “Velho é bicho que adoece”. Palavras dele.

A vida de seu Amélio ia de vento em popa, com pouco vento, é bem verdade, diante de tamanha calmaria, até o dia em que ele resolveu comprar uma cama nova no mais famoso Lojão da cidade. Juntou dinheiro da entrada por 6 meses – teve que abrir mão de comer aquela costelinha vez por outra para poupar “o da entrada” – e o restante dividiu no crediário, em suaves 11 prestações. Cada uma delas lhe custaria algum sacrifício na organização dos gastos mensais, diga-se de passagem.

Nélio da Maricota contava alegre para os amigos de truco: realizei meu sonho. Finalmente comprei minha desejada cama box. Lojão disse que entrega no sábado pela manhã. Ansiedade era a palavra de ordem.

Finamente o sol de sábado nasceu e seu Amélio pulou da rede como se jovem ainda fosse de tamanha felicidade. É bem verdade que o pulo lhe custou uma dor na lombar enorme que durou uns bons dias (mas isso é uma outra história).

Deu 9h00, 10h00, meio dia, 14h00, boca da noite – para os que não conhecem o linguajar nordestino, quer dizer 17h59 – e nada do caminhão do Lojão buzinar na esquina da sua rua.

Resumo da história. A cama não chegou. Não precisa de muita divagação para imaginar o tamanho da frustração do seu Amélio. Só era menor que a “dor nos quartos” por conta do salto da rede!

Segunda bem cedo lá estava ele no Lojão para os devidos de esclarecimentos. Após ser muito mal atendido pelo vendedor, o gerente foi chamado e trouxe consigo, além do pedido de desculpas, a boa nova: sua cama irá, sem falta na segunda bem cedo. Já dá para imaginar o que aconteceu na segunda, ou melhor, o que não aconteceu: nada da cama.

Agora CHEGA! Foi a gota d’água, esbravejou o seu Amélio. Vou procurar os meus direitos. Muito bem, Nélio da Maricota, é isso mesmo que um cidadão deve fazer quando tem seus direitos lesados. E assim o fez. Procurou um Advogado.

Situação exposta ao Ilustre causídico, o veredito foi dado: vamos buscar uma forma consensual de resolver a sua demanda, seu Amélio. O senhor já ouviu falar no CEJUSC? Sei nem para onde vai, doutor; emendou de pronto seu Amélio.

Pacientemente, continuou a explicação o nobre advogado: O CEJUSC – Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania – faz parte do sistema de justiça e tem como finalidade principal evitar que os conflitos cheguem ao judiciário sem que antes se tente resolvê-los amigavelmente (consensualmente); é uma outra forma, menos desgastante e menos demorada, de tentarmos resolver o seu problema.

Fato. O CEJUSC foi realmente criado[1] para auxiliar no tratamento dos conflitos e é, sem dúvida, uma forma mais célere, barata e satisfativa de resolvê-los, afinal, nos centros, além da estrutura física ser adequada, quem decide o destino da sua demanda é o próprio cidadão, através da mediação e da conciliação.

Mesmo diante de tão forte argumento, o seu Amélio não se convenceu. Quero que o juiz decida isso. Quero sorrir da cara daquele gerente quando o juiz disser que eu tenho razão. Coitado do seu Amélio. Não há como não entender tamanha frustração e sede de vingança, afinal, não se trata somente de uma cama box que não foi entregue e, sim, de tudo que a falha na relação consumerista trouxe a reboque: meses de privação para economizar o dinheiro da entrada; outros tantos para poder pagar o crediário e, o pior de tudo, a vergonha diante dos amigos de truco que ouviram por dias a cantata “Amélio e sua cama mas que união feliz”, de dar inveja até no Vital, aquele da moto da canção dos Paralamas.

Atento aos interesses de seu Amélio o advogado, antenado com a gestão adequada dos conflitos, insistiu na tecla da busca extrajudicial da solução da questão. Seu Amélio, veja bem. Um processo judicial demora muito. O senhor faz ideia do tempo médio que uma ação demora para ser julgada no país? Pois deixa eu lhe dizer: segundo Justiça em Números do CNJ[2], o tempo médio para sair uma sentença no país é de 1 ano e 9 meses. Já imaginou. Se a gente der entrada no seu processo amanhã, pode ser que só em 2022 saia um resultado.

Seu Amélio, que até então não estava nem aí para a ladainha do advogado sobre consensualidade arregalou os olhos e começou a ouvir com mais atenção. É mesmo, Dr. Pode demorar isso tudo? Pode sim, seu Amélio, respondeu o advogado; e tem mais.

Ainda, segundo o CNJ, a taxa de congestionamento do judiciário em 2019 foi de “apenas” 68,5% (sessenta e oito vírgula cinquenta por cento).

Vixi, doutor. Não sei o que isso significa, mas pela sua cara não deve ser coisa boa.

Perdão, seu Amélio. Deixe-me colocar isso numa linguagem mais fácil para o senhor: de acordo com os números que lhe falei, a cada 100 demandas que entraram no judiciário brasileiro no ano passado, menos de 32 foram julgados, ou seja, foram resolvidos e, por conta disso, 2020 começou com um acervo de mais de 77 milhões de processos pendentes de solução. Agora o senhor entendeu?

É, doutor, vendo desse jeito, parece que levar meu problema para o judiciário talvez não seja assim tão vantajoso mesmo. Mas e os meus direitos, como ficam? Se a gente for para esse tal CEJUSC, eu vou resolver mesmo o meu problema?

Certamente, seu Amélio. Como já lhe disse, o centro é um órgão auxiliar da justiça e todas as questões que forem resolvidas por lá terão validade jurídica e o documento que o senhor terá em mãos é um título extrajudicial. Opa, deixa eu facilitar para o senhor entender: o acordo feito no CEJUSC é colocado no papel e tem força para obrigar a outra parte, no caso o Lojão, a arcar com as consequências se não cumprir o que ficar acertado entre vocês.

Pois é, Dr. Eu estou muito magoado mesmo com o Lojão. Quero que eles paguem pelo que me fizeram, mas não sei se quero esperar mais de ano para isso. Nesse tempo todo ou minha raiva já passou ou virou ódio!

Então seu Amélio, a melhor forma da gente resolver nossos problemas é buscando o consenso e isso pode ser feito de várias formas e sem precisar, necessariamente, ser no judiciário, pois este tem uma série de limitações estruturais que fazem com que as demandas não sejam resolvidas em tempo hábil. Ainda, deixar que outra pessoa, o juiz, diga o que é melhor para o meu caso – terceirizar a solução do meu conflito – pode não ser a melhor solução para mim, na verdade, em boa parte das vezes não o é. A sentença põe fim ao processo, mas não finda, necessariamente, o conflito.

Atualmente, na perspectiva da gestão adequada dos conflitos, o judiciário é só mais uma das possibilidades de se tratar os conflitos – sistema multiportas – mas existem outras várias, mais rápidas, mais baratas, menos desgastantes e, principalmente, mais satisfatórias, pois os próprios envolvidos no conflito escolhem a solução para a questão.

Depois de percorrermos todo esse caminho, seu Amélio, o que o senhor decidiu? Preparo a ação judicial ou vamos juntos ao CEJUSC?

REFERÊNCIAS

1. BRASIL. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Resolução n. 125, de 29 de novembro de 2010. Dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário e dá outras providências. 2010. Disponível em: <https://atos.cnj.jus.br/files/compilado160204202007225f1862fcc81a3.pdf>. Acesso em: 7 out. 2020.

2. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em números 2020: ano-base 2019. Brasília: Conselho Nacional de Justiça, 2020. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/pesquisas-judiciarias/justica-em-numeros/>. Acesso em: 7 out. 2020.

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Elton Costa

Servidor efetivo do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Técnico Judiciário. Conciliador Judicial – ESMAM (2014). Bacharel em Direito – ICF (2016). Capacitado em Mediação Familiar – ESMP/MA (2019). Especialista em Famílias e Sucessões - ESA/PI (2019/2020). Capacitado em Conciliação e Mediação Extrajudicial – Sapiens (2020). email: eltoncosta1@gmail.com.

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